Nota Crítica do Fotógrafo Jan Smith na ArtInfo Brasil

ArtInfo Brasil – Resenha da Obra Tours de Césio de Jan Smith

A jornalista e crítica Fátima Gigliotti, escreve sobre meu trabalho na ArtInfo, um dos maiores sites internacionais sobre arte.

“No trabalho do fotógrafo mexicano Jan Smith na exposição Tours de Césio há uma aura de quase impossibilidade…. como é possível encontrar beleza no completo abandono?”

Pode ler a resenha original na ArtInfo, o conferir depois de pulo de página.

A fotografia do abandono de Jan Smith – por Fátima Gigliotti

Cortesia : BLOUIN ARTINFO BRASIL Publicado: 20 Agosto 2012

No trabalho do fotógrafo mexicano Jan Smith na exposição Tours de Césio há uma aura de quase impossibilidade. Primeiro, porque para fazer as imagens das zonas evacuadas em razão dos acidentes nucleares de Chernoyl e Fukushima, ele correu riscos em vários sentidos, da exposição à radiação à proibição de entrar nos locais abandonados. Depois, porque ao entrar na Galeria Eduardo Fernandes, em São Paulo, a primeira impressão é de que as imagens e os trípticos minimalistas, expostos na sala de entrada e no corredor, não podem conter tantas histórias interrompidas e tantos sentidos não realizados, em suspenso. E ainda mais uma vez, quando as fotografias pegam o visitante de surpresa – como é possível encontrar beleza no completo abandono?

Construir essa possibilidade é o desafio de Jan Smith, que é fotógrafo autodidata – formado em Administração, depois de 15 anos como executivo, ele transformou o hobby de fotografar em profissão. “Agora, eu documento e crio imaginários em lugares longínquos e afastados. Eu gosto do obscuro e do esquecido. Esses espaços foram historicamente significativos, mas são rapidamente esquecidos, com frequência, e também rapidamente abandonados da memória social contemporânea. Eles são ruínas modernas da nossa época”, diz Smith. Veja mais fotos da exposição, e suas histórias, no slideshow.

As imagens de Tours de Césio foram selecionadas para a XV Bienal de Fotografia do México, e a versão da exposição brasileira é a integral, com as fotografias tiradas em Pripyat, na Ucrânia, e no Japão. A exposição é um estudo visual das áreas radioativas e abandonadas próximas às usinas nucleares de Chernobyl, 25 anos depois do acidente, e em Fukushima, um ano após o tsunami. A radiação é invisível, mas a fotografia pode se lançar ao desafio de retratar a desolação e o abandono, a aridez da intimidade dos espaços pessoais, suspensos no tempo e no espaço. E, ao fazê-lo, talvez denunciar o perigo latente que o uso da energia nuclear representa, principalmente nas usinas construídas próximas a centros urbanos.

O fotógrafo Jan Smith disse estar um pouco em desacordo com o jeito com que a mídia tem tratado esse tema tradicionalmente. “Acho escandaloso, acho que cria muito medo, embora sempre deva ser feita a cobertura de eventos como esse, mas eu acredito em uma perspectiva mais sentimental, ou melancólica, por isso utilizo nas fotos exposição mais longa, iso (sensibilidade da câmera em relação à luz) mais baixo, dá mais claridade para as imagens”. Para este trabalho, ele entrevistou ex-moradores da região, tanto na Ucrânia como no Japão, para saber mais detalhes dos lugares e prédios que fotografou, e conhecer também as histórias deles e das pessoas que moravam nas cidades condenadas, e é como se a tristeza delas impregnasse as imagens – ou como se Smith conseguisse fotografar a melancolia daquilo que poderia ter sido.

A utilização de trípticos de fotografias favorece essa relação afetiva com as imagens, mas foi uma referência e reverência de Smith ao clássico haicai japonês, poemas de três linhas compostos com rigor métrico, e em geral com temas ligados à natureza. A forma, sem dúvida, na combinação cuidadosamente escolhida das imagens, como se fosse mesmo um poema fotográfico, reforçou o lirismo das imagens.

Dentre os trípticos de Pripyat, por exemplo, estão as vistas do Kinoteatre Prometeu, o primeiro cinema da cidade, com capacidade para 500 pessoas. Na entrada está uma estátua de Prometeu recebendo a dádiva do fogo. O piso radioativo foi arrancado, retirado e enterrado, mas a estátua foi preservada, e faz parte de um memorial em frente ao Reator Nº 4. “Você conhece a lenda grega de Prometeu? Pois esta foi uma maneira irônica de predizer que nossos fígados seriam picados, disse um ex-morador, Max, ao fotógrafo. Os ex-moradores de Pripyat, cidade-modelo construída em 1970 para receber os trabalhadores da usina nuclear de Chernobyl, criaram uma associação com o propósito de transformar Pripyat em cidade-museu.

No Japão, na cidade de Minamisoma, parcialmente destruída pelo tsunami, o raio de evacuação radioativo dos 20 km corta a cidade pela metade, passa no meio de casas e de estabelecimentos comerciais – que ficam assim meio abertos e meio fechados. Já é raro ver mulheres e crianças na parte liberada, e os escombros do perímetro evacuado servem de esconderijo para quem quer entrar na zona evacuada. “Eles fecharam esta zona, não por causa da radiação, mas porque havia muitos roubos. À noite, você via sombras, como baratas saindo e invadindo as ruas, e de manhã, muitas coisas estavam faltando”, contou ao fotógrafo a Sra. Hoshi, ex-moradora da cidade.

Saques assim também aconteceram em Pripyat, e um dos trípticos mais líricos da exposição de Jan Smith é o que registra os pianos abandonados – que foram deixados pelos saqueadores só porque eram muito pesados para carregar, batizado de Mascotes Abandonadas e Cidade dos Pianos. Como o comunicado de evacuação dizia que ela seria apenas temporária, os moradores deixaram carros, motos e até animais de estimação nas casas – que acabaram fossilizados de uma maneira estranha, pela ação da radiação e do tempo.

No Japão, na área de evacuação de 20 quilômetros está proibida a entrada de pessoas, mas mesmo assim Smith conseguiu fazer suas imagens, viajando por estradas vicinais pouco conhecidas, dicas dos ex-moradores. O fotógrafo não tem medo de se aventurar em áreas condenadas. “Quando eu estava em Chernobyl fazendo as imagens nos 25 anos do desastre nuclear, aconteceu o tsunami e Fukushima, e eu quis fazer imagens também de um ano do acidente. Os efeitos de radiação são cumulativos, dependem de quanto tempo se passa na área, para os adultos, mas o tempo que eu fico exposto, algumas semanas, não representa muito risco”, afirma.

 

Serviço

Tours de Césio

Galeria Eduardo Fernandes

Rua Harmonia 145
, Vila Madalena, 
São Paulo

Telefone: (11) 3812-3894 /3032-6380

Horário: terça à sexta, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 18h. Grátis.

Até 25/8